Médica de Medicina Interna
1. Neste último ano, quais foram os principais desafios que enfrentou?
O incremento das horas de trabalho associado à pandemia, que trouxeram consigo níveis de fadiga e cansaço que poderiam ter culminado em burnout. Outro desafio foi o balanço, já de si habitualmente difícil, entre a vida familiar e profissional, agravado pelas circunstâncias. O confinamento e o ter de estar fisicamente distante dos que me estão mais próximos, nomeadamente dos meus pais. O medo de poder infetar os meus coabitantes. O ter de lidar com as fragilidades do Serviço nacional de Saúde (SNS), que ficaram claramente expostas em situação de pandemia, e para as quais não existiu a nível central uma preparação adequada, tanto a nível de recursos humanos como a nível material, de gestão dos serviços de saúde, etc. A mortalidade excessiva que ocorreu durante o mês de janeiro, bastante acima do habitual em anos anteriores, numa doença em que nos sentimos tantas vezes impotentes para evitar a sua progressão.
2. Alguma vez sentiu medo (ou ainda sente) de ser infetado?
O receio de ser infetado é quase inevitável dadas as características do vírus e à sua transmissibilidade. O receio prende-se também com a possibilidade de podermos infetar os nossos familiares, tanto os mais próximos como aqueles mais idosos e com co-morbilidades várias. A nível profissional, a utilização de proteção adequada a cada situação permitiu mitigar esse receio, tal como a existência de áreas dedicadas a estes doentes, a existência de circuitos separados, etc. A nível não profissional, evitar a exposição dos familiares mais frágeis, privilegiando a comunicação de outras formas, mas potenciando simultaneamente o seu isolamento e distanciamento, o que nem sempre foi fácil de gerir. E continuo a ter medo de ser infetada, apesar de estar vacinada.
3. No âmbito da atividade profissional que desenvolve, que aprendizagens retira desta nova realidade?
A importância do trabalho multidisciplinar e em equipa, uma arma que me parece fundamental para combater a pandemia. A existência de uma comunicação fluida entre equipas e do trabalho conjunto e orientado para um objetivo comum. A importância de encontrar estratégias que permitam prevenir o burnout, e a importância de o reconhecer atempadamente. A importância da humanização dos serviços de saúde, que se tornou evidente com a pandemia.
4. O que mudou na relação com os doentes?
Não ser possível distinguir a expressão facial do doente, devido às máscaras e viseiras; não ser possível tocar no doente, sem ser com luvas; a dificuldade em comunicar com o doente, dado o equipamento de proteção e até por vezes a gravidade da situação clínica, sem ser através de comunicação não-verbal; foi o mais revelante. Em termos globais, tornou evidente a importância fulcral da comunicação e da relação única que se estabelece entre médico e doente, e que a meu ver ficou muito dificultada durante a pandemia.
5. Em algum momento sentiu que o seu trabalho foi reconhecido por outros colegas ou pessoas externas à Instituição?
Sim, senti o meu trabalho e esforço reconhecido, tanto por doentes como pelos seus familiares, como por outros profissionais de saúde, alguns não médicos, externos à instituição. A forma que escolheram foi via telefone, presencial ou através de mensagens, por vezes através de redes sociais. Recordo uma situação em particular: uma família que nos veio agradecer, entregando um ramo de flores, apesar do seu familiar já ter falecido. E a filha de um doente que se deslocou ao Serviço para nos agradecer o que tínhamos feito pelo pai.
6. Passado um ano de vivência pandémica, sente mais orgulho na profissão que exerce?
A Medicina Interna desempenhou um papel fundamental no combate à pandemia, e esteve sempre na linha da frente, inclusive nos Serviços de Medicina Intensiva. O orgulho em ser Internista sempre existiu, mas sinto sem dúvida uma maior satisfação em ver a especialidade que escolhi ser reconhecida pelo papel vital que desempenhou, tanto pelo público em geral como por outras especialidades médicas e profissionais de saúde.
7. Numa palavra, como descreve o primeiro ano da pandemia.
Há uma palavra que descreve este ano, mas está intimamente ligada a outra, e não posso deixar de referir ambas. São elas: Desafio e Resiliência.