entrevista imagiologia1Paula Montóia
Técnica Coordenadora do Serviço de Imagiologia

1. No último ano quais foram os principais desafios que enfrentou?
Embora a profissão de técnico de Radiologia seja muito direcionada para as situações de emergência em traumatologia, a realização de exames a pacientes portadores de doença infecciosa é também bastante frequente. Trabalhar em contexto de pandemia e organizar a equipa para uma resposta segura e eficiente tem sido um grande desafio.

As duas primeiras semanas, após a declaração de pandemia, foram as que mais me marcaram. Reorganizar o serviço, dar resposta às solicitações dos diferentes serviços e ADR, reajustar os consumos, aprovisionar suficientes Equipamentos de Proteção Individual (EPI), acompanhar a equipa técnica respondendo às dúvidas dos profissionais e apaziguando a ansiedade. Foram dias de grande pressão, duas semanas em que “vivi” dentro do hospital. Confesso que cedi algumas vezes à pressão. Descobri a minha capacidade de resiliência.

Foi necessário organizar com os diferentes intervenientes o circuito dos doentes das ADR, dos serviços de Urgência e Internamento, que se deslocavam ao Serviço de Imagiologia para a realização de exames.

Uma dificuldade com que nos deparámos foi pelo facto de apenas dispormos de um gerador portátil de radiação X a funcionar em pleno, uma vez que o segundo gerador, bastante antigo, estava numa situação de “fim de vida”. Este tipo de equipamento, em contexto de pandemia, é fundamental porque permite a realização de radiografias do Tórax, sem que o utente se desloque ao nosso serviço. Instalámos um “posto avançado de Radiologia” dentro da ADR do Serviço de Urgência com este equipamento mais antigo, que acabou por parar. O Serviço ficou apenas com um gerador portátil para servir todo o Hospital até se concluir a aquisição do novo. Não foi um período fácil.

Face à falta de informação procurei manter contacto com colegas de outros Hospitais, por forma a trocar conhecimentos e experiências que auxiliassem na implementação de novos procedimentos. Foi bastante útil o intercâmbio estabelecido com o meu grupo profissional. A título de exemplo, lembro um vídeo realizado e facultado pelos colegas do Hospital de São João, através do qual é explicado como proceder à preparação da sala de Tomografia Computorizada (TC), antes e após a realização dos exames, aos pacientes suspeitos e confirmados com pneumonia ao SARS-Cov2.

Senti uma grande necessidade de fazer fluir a informação junto dos técnicos, de gerar consensos. Concretizou-se através da passagem formal de turno às 8 horas. Este projeto pessoal está consolidado dentro do grupo técnico. Diariamente, na passagem de turno, agradeço a colaboração à equipa que, apesar de desgastada, cansada e quase no limite, continua a dar o seu melhor.

Sinto que devo também aproveitar para agradecer a colaboração do Serviço de Aprovisionamento, que embora com dificuldades e contratempos, sempre agilizou para que não faltasse material.

2. Alguma vez sentiu medo (ou ainda sente) de ser infetado?
O risco de infeção é comum a todos, no entanto, pelo facto de trabalhar dentro do Hospital este risco acaba por ser acrescido. Medo, não senti, no entanto, reforcei os cuidados de acordo com as indicações da Direção-Geral da Saúde e do Grupo de Coordenação Local do Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos (GCL – PPCIRA).

Em algumas situações, dei por mim a ignorar o risco e a resolver incidentes, que surgiam durante a realização de exames a doentes suspeitos e infetados. O dever acabou por se sobrepor ao medo. Felizmente não fui infetada.

3. No âmbito da atividade profissional que desenvolve, que aprendizagens retira desta nova realidade?
Vivemos um período indescritível, para o qual não estávamos preparados, que esperamos não voltar a presenciar, quer do ponto de vista pessoal quer profissional, no entanto, a capacidade de resiliência do ser humano é algo que jamais deveremos menosprezar.

No início era o desconhecimento, procurava informação junto da associação profissional e em artigos disponibilizados em publicações científicas. Paulatinamente os técnicos foram partilhando e sedimentando as aprendizagens e os conhecimentos adquiridos individualmente. Todos os dias melhorámos ou corrigimos um procedimento.

O reforçar do espírito de equipa, a interajuda, a partilha de conhecimento entre colegas fomentou uma união, que hoje reconhecemos o quanto nos ajudou a superar muitos momentos difíceis, nomeadamente no decorrer dos três primeiros meses de 2021. A união e a partilha tornaram a equipa dos técnicos de Radiologia mais forte.

A gratidão subjacente às dádivas dos cidadãos anónimos: as viseiras de excelente qualidade que ainda hoje mantemos; as toucas de pano, costuradas por uma voluntária; os lanches que nos foram oferecidos, o carinho do Agrupamento de Escuteiros que em cada lanche colocou um desenho.

Vi reconhecido o meu grupo profissional, que a par com outros profissionais de saúde, está no combate à pandemia.

4. O que mudou na relação com os doentes?
Os doentes são a razão da minha missão enquanto profissional de saúde. A dificuldade ao toque, as máscaras que ocultam grande parte do rosto, foram as situações mais constrangedoras. No entanto, a leitura do olhar, a expressão dos olhos, o espelho da alma, foi a parte mais importante. Cuidar, ajudar, oferecer conforto pela palavra e olhar. A compaixão pelos doentes. Ajudar, ajudar sempre! Nada mudou.

5. Passado um ano de vivência pandémica, sente mais orgulho na profissão que exerce?
Sinto grande orgulho em ser técnica de Radiologia!

Se houve grupo profissional que foi essencial na contribuição para o diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos doentes com infeção ao vírus SARS-Cov2 foram os técnicos de Radiologia. Fundamentais em todo o processo de gestão da pandemia.

Fomos nós que, em articulação com os demais grupos profissionais, alertámos para muitas situações de infeção com que nos deparávamos nos exames realizados a alguns pacientes não referenciados.

Dentro da Instituição, fomos sendo reconhecidos como profissionais de saúde com elevada exposição ao risco (obrigada Enfª Luísa Barbosa!), tal como as demais classes profissionais consideradas de primeira linha. Agradeço ao Conselho de Administração a atribuição do prémio de contribuição individual aos técnicos de Radiologia, prova de reconhecimento do valor do nosso desempenho.

Reafirmo: sim, tenho muito orgulho em ter escolhido a profissão de técnica de Radiologia!

6. Numa palavra, como descreve o primeiro ano da pandemia?
Inimaginável!

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