Enf.º João Fonseca
Enfermeiro com funções de gestão do Serviço de Urgência Básica
1. Neste último ano, quais foram os principais desafios que enfrentou?
Entendo que a pandemia impôs dois grandes desafios:
Ao nível profissional, foi o de conseguirmos manter a capacidade assistencial do Serviço de Urgência Básica em termos daquilo que são as necessidades da população face à COVID-19 e, para isso, foi necessário alterar todo o funcionamento do serviço e mobilizar os profissionais de saúde para essa necessidade, sempre suportado pelas orientações internas do Centro Hospitalar Barreiro Montijo (CHBM) e da Direção-Geral da Saúde, que iam surgindo quase diariamente e que obrigavam a alterações sucessivas, quer nos circuitos dos doentes, quer nos materiais para Equipamento de Proteção Individual (EPI) e equipamentos, e dispositivos de testagem. Muito importante, e talvez o mais difícil, foi mantermos o espírito de trabalho em equipa, a coesão, e a tolerância à pressão, às contrariedades, às adversidades e ao desconhecido próprio da COVID-19.
Ao nível pessoal, foi o de articular aquilo que são as responsabilidades enquanto cidadão, enquanto profissional de saúde e na família.
2. Alguma vez sentiu medo (ou ainda sente) de ser infetado?
Medo de ser infetado não...mas claro que dispenso de todo essa condição! Medo sim, de falhar naquilo que são as minhas obrigações enquanto profissional de saúde e cidadão. Por esse motivo, mantive e mantenho sempre uma posição intransigente quanto ao cumprimento das normas de proteção (uso de máscara, higiene das mãos, distanciamento físico e etiqueta respiratória) e pautei-me sempre para que no serviço e fora dele estas precauções estivessem sempre presentes em todos os momentos.
3. No âmbito da atividade profissional que desenvolve, que aprendizagens retira desta nova realidade?
Retiro três aprendizagens para o futuro:
Primeiro, o importante são as pessoas, sejam profissionais de saúde ou doentes.
Segundo, temos que acreditar na ciência e no conhecimento produzido pelos diferentes intervenientes que fazem investigação e que é divulgado pelas entidades competentes (Organização Mundial de Saúde e Direção-geral da Saúde). Sem eles não é possível vencer este desafio, leia-se COVID-19. É preciso acreditar!
Terceiro, só há um caminho a seguir. Em prol da saúde e da segurança não pode haver atalhos ou desvios.
4. O que mudou na relação com os doentes?
A minha função não é propriamente a prestação direta de cuidados aos doentes, mas ouvindo os restantes profissionais, enfermeiros, médicos, técnicos e assistentes operacionais, estes referem que a relação terapêutica com o doente se alterou significativamente, não há proximidade.
Nos casos suspeitos/confirmados de COVID-19 no serviço, é referido como principal causa a utilização do EPI. A imagem do profissional de saúde ficou completamente desvirtuada, é uma barreira que interfere absolutamente com a comunicação, com a empatia e com o toque terapêutico. Praticamente não existem.
Nos restantes casos esta questão é menos evidente, mas existe sempre suspeição por via dos casos assintomáticos. O distanciamento impõe-se.
5. Em algum momento sentiu que o seu trabalho foi reconhecido por outros colegas ou pessoas externas à Instituição?
Desde o início da pandemia que o todo o trabalho realizado no serviço foi feito em equipa, logo é certamente reconhecido entre os pares.
Do ponto de vista externo, com toda a certeza que a população no geral e entidades como Câmaras Municipais, Forças de Segurança e Proteção Civil/Bombeiros reconhecem o trabalho realizado e a dedicação demonstrada por todos os profissionais que trabalham neste serviço, sejam enfermeiros, médicos, técnicos de diagnóstico, assistentes operacionais, assistentes técnicos, vigilantes ou trabalhadores da empresa de limpeza. Contudo, sabemos que nem sempre tudo correu bem ou como o desejávamos.
Há algumas situações que ainda hoje deixam as pessoas muito satisfeitas pelo trabalho realizado no Serviço de Urgência Básica. Por exemplo, situações relacionadas com o facto de recorrerem ao serviço sintomáticas e após realizaram um teste rápido de antigénio obterem um resultado negativo (mesmo tendo de realizar o teste PCR nas próximas 24 horas). As pessoas ficam mais tranquilas e agradecidas pela resposta dada e assim poderem prosseguir com as sua vidas. Outras, que recorreram ao SUB em grandes dificuldades, devido a pneumonias por COVID-19, que rapidamente foram estabilizadas e transferidas para o Hospital de Nossa Senhora do Rorário. Isto aconteceu até com alguns dos nossos profissionais.
Em suma, a população no geral reconhece que apesar do distanciamento e das regras de funcionamento que a COVID-19 impõe, o SUB e os seus profissionais estão sempre presentes para os acolher e ajudar.
6. Passado um ano de vivência pandémica, sente mais orgulho na profissão que exerce?
Sim, sem dúvida! A pandemia veio debelar qualquer dúvida sobre a importância da condição de Saúde na vida das pessoas e a implicação que a sua falta tem na sociedade e que os profissionais de saúde e serviços de saúde são a variável determinante nessa condição.
7. Numa palavra/frase, como descreve o primeiro ano da pandemia.
Face à situação adversa que vivemos (pandemia) e ao agente perturbador que a despoletou (SARS-CoV-2), este ano foi indiscutivelmente de - RESILIÊNCIA.