entrevista ppcira 1Rosário Rodrigues
Enfermeira do Grupo de Coordenação Local do Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos (GCL – PPCIRA)

1. Neste último ano, quais foram os principais desafios que enfrentou?
Como enfermeira de controlo de infeção um dos maiores desafios que enfrentei foi confrontar-me com o desconhecido. Nenhum de nós, jamais, viveu esta realidade. Tudo era novo. Era preciso dar o melhor de nós. E, globalmente, assim foi.

Portanto, perante esta nova realidade os desafios foram vários mas, entre eles, destaco os seguintes: controlar a ansiedade gerada pela busca de respostas e estar sempre disponível para a Instituição e para os colegas; realizar formação em tempo recorde; conseguir comunicar num ambiente onde a ansiedade e o medo imperavam; elaborar documentos; dar parecer na aquisição de equipamentos, quando a oferta destes era escassa e nem sempre adequada às nossas necessidades; aplicar um plano de contingência exequível (um documento dinâmico e por isso implicou frequentes atualizações) e que todos tivessem orientações do papel a desempenhar. Não foi fácil, por vezes, ultrapassar obstáculos que nos iam obstruindo o caminho.

Tornou-se imperativo adaptar o Hospital às novas circunstâncias de modo que fosse possível proteger profissionais e doentes. Foi necessário, portanto, montar uma estratégia e um alinhamento nunca antes visto. Mas isto só foi possível graças à mobilização e determinação de muitas pessoas de diversas áreas. Só assim, foi possível chegar a bom porto, depois de ultrapassar muitas adversidades e inquietações. Nunca trabalhar em equipa foi tão necessário.

2. Alguma vez sentiu medo (ou ainda sente) de ser infetado?
No início, ao ver e ouvir notícias que nos chegavam de fora sobre a pandemia em vários países, o número de vítimas que causava, nomeadamente, nos profissionais de saúde, é obvio que tudo isto veio adensar o medo entre nós.

Mas, o medo faz parte intrínseca da dimensão humana e, portanto, é o medo que nos faz agir no sentido de nos protegermos. Assim, só perante a consciência do medo é que as medidas de autoproteção e de proteção coletiva produzem o seu efeito.

Partindo destas premissas, nunca deixei de fazer o que tinha que ser feito, foi o medo de algo desconhecido que me fez agir com determinação, mas sempre com o devido sentido de responsabilidade, indispensável a estas situações.

Embora qualquer um de nós pudesse ser a fonte de contaminação, o meu principal foco foram os profissionais que prestavam cuidados aos doentes; desde a escolha dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI) adequados, mostrar como usá-los, planear circuitos e retirar dúvidas.

Tive medo, sim, quando se começou a verificar que os fornecedores falhavam com as entregas dos equipamentos. Mas, como diz o povo “a necessidade faz o engenho” e esta experiência confirma-o: houve soluções criativas encontradas internamente, houve troca de ideias entre Hospitais e apoio da comunidade. Nunca vi tantas pessoas empenhadas e comprometidas para que tudo desse certo. Foi um orgulho para mim estar entre elas. Nunca esquecerei essas pessoas porque, para mim, elas têm rosto.

3. No âmbito da atividade profissional que desenvolve, que aprendizagens retira desta nova realidade?
É, de facto, nas adversidades que se observa de forma nítida, de que matéria somos constituídos. E nesta adversidade em concreto deu para ver tudo. Houve formas de estar e de agir completamente díspares, mas que maioritariamente foram positivas.

E, mais uma vez, verifiquei que nestes momentos tão difíceis que atravessámos, só com sentido de missão e espírito de equipa foi possível potenciar as capacidades de cada um de nós e pô-las ao serviço dos outros. Pois, o trabalho em equipa favorece a comunicação eficiente, o que é fundamental para lidar com esta nova realidade.

Não posso deixar de referir, ainda, o quão importante são os chamados serviços de retaguarda que neste processo estiveram sempre na primeira linha, para que nada faltasse aos da chamada linha da frente. O exemplo do Aprovisionamento foi verdadeiramente notável agindo antecipadamente, à entrada do primeiro doente COVID-19, foram fundamentais para que nada, ou quase nada, faltasse aos profissionais que prestam cuidados.

Foi e é uma experiência única e muito forte na vida de todos nós que é impossível sairmos inóculos deste processo. Esta experiência atingiu de alto a baixo as nossas vidas. Por isso, quase de certeza que tudo isto se vai projetar para o futuro na minha forma de estar, agir e pensar.

4. Em algum momento sentiu que o seu trabalho foi reconhecido por outros colegas ou pessoas externas à Instituição?
Antes de mais, estou bem comigo mesma porque fiz tudo o que sabia e o que estava ao meu alcance. Todos os profissionais gostam de ver o seu trabalho reconhecido, e, eu não fujo à regra.

Não é necessariamente preciso uma ação declarativa por parte de alguns dos meus colegas para me sentir reconhecida por eles. Há gestos que valem mais do que muitas palavras. Senti, também, reconhecimento por parte dos meus superiores hierárquicos, como por vários profissionais das diversas áreas.

Fora desta Instituição, durante este ano, tive experiências muito positivas em que, por exemplo, participei, através de um grupo de colegas de outras Instituições, a nível nacional, na partilha de experiências e dificuldades. Esta participação ajudou-me, várias vezes, a encontrar soluções na minha ação dentro desta Instituição. Fazer parte deste grupo, embora informal, senti-o como uma prova de reconhecimento. Também não fiquei indiferente a algumas solicitações da parte da Direção-Geral da Saúde (DGS).

Para mim, uma coisa é certa: estou profundamente reconhecida a muitas pessoas porque sem elas não era possível fazer o que fiz.

5. Passado um ano de vivência pandémica, sente mais orgulho na profissão que exerce?
As intervenções e cuidados de enfermagem foram fundamentais e, por isso, contribuíram de forma inequívoca para o bom desempenho do Hospital.

Sinto muito orgulho na minha profissão, sinto orgulho naquilo que faço e sinto muito orgulho na equipa a que pertenço – GCL-PPCIRA. Nós nunca trabalhámos ao “postigo”, estivemos sempre de corpo inteiro onde era preciso estar. Faço parte desta equipa que trabalha em direção a um propósito comum: promover boas práticas para a prevenção e controlo das infeções. Nem tudo foi perfeito, bem sei, mas esta equipa deu sempre o melhor de si e, neste último ano, o GCL-PPCIRA emergiu, ainda mais, mostrando-se indispensável no combate à pandemia.

6. Numa palavra, como descreve o primeiro ano da pandemia.
Único.

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