entrevista uci1Ana Margarida Costa
Enfermeira na Unidade de Cuidados Intensivos

1. Neste último ano, quais foram os principais desafios que enfrentou?
O grande desafio centrou-se na adaptação à nova realidade em situação de catástrofe, com enfoque nas metodologias rigorosas de contenção e controlo de infeção, não dependente apenas dos cuidados prestados por nós, profissionais de saúde, mas também na comunidade, tendo a missão de aumentar a literacia em saúde da nossa sociedade.

Concretamente em relação à nossa Unidade, houve um esforço acrescido para adaptação do espaço físico para os doentes COVID, reorganização das equipas tal como do seu método de trabalho. Todas estas mudanças estruturais, associado ao facto de estarmos a prestar cuidados a um doente crítico num contexto de doença pouco conhecida, aumentou inevitavelmente os níveis ansiedade e de stress de todos os profissionais.

2. Alguma vez sentiu medo (ou ainda sente) de ser infetado?
Perante uma realidade desconhecida o medo é normal estar presente. Mas não há coragem sem medo. O medo também de certa forma é nosso protetor, desde que não nos impeça de seguirmos em frente. Se sentimos medo? Sim. Não exatamente de ficar doente. Este medo centra-se no facto de poder ser o vetor para infetar aqueles que nos são mais próximos, aqueles que amamos.

Como contornar este medo?... Garantir que mantemos todos os cuidados necessários para a nossa proteção, tanto na prestação de cuidados, como na nossa vida fora do hospital. Como estratégias para diminuição de situações de stress, pessoalmente uso a prática de yoga. Mas não posso deixar de referir que a coesão neste contexto da equipa de enfermagem, o bom humor, a motivação recíproca, fez diluir muitas das situações penosas que todos nós vivemos.

3. No âmbito da atividade profissional que desenvolve, que aprendizagens retira desta nova realidade?
Aprendemos todos os dias, mas neste contexto de uma forma intensiva e por vezes muito dolorosa. A prestação de cuidados a este doente específico foi uma aprendizagem intensiva, sem “estágio de preparação”. Mas... a perspetiva sobre a vida... mudou... morrer sem se despedir dos que mais amamos é de uma injustiça desmedida... como encaramos o cuidar ao próximo mudou... mais do que nunca... sentimos os doentes como nossos, poderiam ser os nossos a estar ali... Portanto a forma de comunicação doente-família-enfermeiro também foi reinventada.

4. O que mudou na relação com os doentes?
No meu caso, pouco mudou. Sempre mantive o toque, o encorajamento, o apoio e o empoderamento do doente para que acreditasse na sua recuperação. Acho que passei a dar mais abraços e mimos!

5. Em algum momento sentiu que o seu trabalho foi reconhecido por outros colegas ou pessoas externas à Instituição?
O reconhecimento do trabalho de enfermagem entre os colegas é mútuo. Quanto ao reconhecimento externo, teve flutuações... foi vindo através das redes sociais. Houve um caso específico em que ouvi pela primeira vez a música “Andrá tutto bene” do Cristóvam, em que a mensagem que se seguia era “tem tudo a ver contigo”. Mas também a admiração das pessoas quando questionam “não sei como vocês conseguem?”. O trabalho de enfermagem é isto, sempre foi! Sempre estivemos aqui para todo e qualquer doente. Mas penso que, com a pandemia a visibilidade do que fazemos foi maior.

5. Passado um ano de vivência pandémica, sente mais orgulho na profissão que exerce?
Não posso dizer que sinta mais orgulho. Sou orgulhosamente enfermeira! Desde sempre!

6. Numa palavra, como descreve o primeiro ano da pandemia.
Desafiante.

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