Patrícia Cabrita
Enfermeira na Urgência Pediátrica
1. Neste último ano, quais foram os principais desafios que enfrentou?
Este último ano permitiu-me desenvolver a capacidade de resiliência quer a nível profissional quer pessoal. Lidar com esta pandemia implicou inicialmente mudanças constantes no funcionamento da unidade de Urgência Pediátrica de forma a assegurar a segurança do utente pediátrico e da equipa de saúde, mas nunca pondo em causa a qualidade dos cuidados prestados. O trabalho interdisciplicar foi fundamental para se ultrapassar os obstáculos que surgiram, encontrando-se soluções estratégicas para enfrentar e superar as adversidades com sucesso.
A nível pessoal implicou um afastamento físico de familiares muito chegados o que não foi fácil, pois sempre foram o suporte à família nuclear para conseguir dar resposta às necessidades existentes no âmbito educacional da minha filha, o que implicou uma reorganização familiar. Este afastamento inevitavelmente afetou a área relacional e afetiva entre familiares.
2. Alguma vez sentiu medo (ou ainda sente) de ser infetado?
Sim, senti medo. Agora não tanto, uma vez que já passou 1 ano e não podemos viver com medo, temos é de aprender a lidar com esta nova realidade, mas inicialmente poucos conhecimentos se tinha acerca deste vírus e por isso o medo mais facilmente se instala, o desconhecido dá medo.
Acima de tudo tentei sempre proteger-me utilizando EPI's, realizando a higiene das mãos com frequência e mantendo o distanciamento físico necessário. Estas medidas preventivas foram sempre relembradas aos meus mais próximos, de forma a também os proteger. Mais recentemente tive a oportunidade de me vacinar, decisão que tomei sem hesitação e com a convicção de que a vacina me protege e dá mais proteção aos que me rodeiam.
3. No âmbito da atividade profissional que desenvolve, que aprendizagens retira desta nova realidade?
Esta pandemia veio comprovar de modo evidente, o que nós profissionais de saúde já sabíamos, que a ciência está em constante evolução e mudança, o que hoje é certo amanhã pode já não ser, isto implica, para os profissionais de saúde, uma necessidade constante de formação para uma atualização de conhecimentos teóricos com repercussão na melhoria da prática de cuidados, pois só desta forma é possível dar resposta às necessidades atuais e futuras da população na área da saúde.
Penso que futuramente vamos vivenciar uma necessidade de cuidados de saúde diferente devido a consequências pela infeção pelo SARS-CoV-2 e temos de estar preparados. No entanto, o sucesso só será conseguido com o trabalho conjunto de todos, em que o cidadão, individualmente, tem de ter um papel proativo para o bem comum, o que muitas vezes não se verifica. O cidadão demite-se do seu papel na promoção da sua saúde e prevenção da doença responsabilizando os profissionais de saúde pela sua saúde e dos seus.
Esta pandemia veio pôr a nú a importância de todos no processo de controlo e possível terminus desta pandemia e veio demonstrar que só com um reconhecimento e maior investimento no SNS poderemos assegurar cuidados de saúde necessários a todas as pessoas.
4. O que mudou na relação com os doentes?
Na área pediátrica tentou-se que a relação entre profissional e utente não se alterasse, no entanto, o facto de termos de utilizar uma série de EPI's para prestar cuidados de saúde em segurança, inevitavelmente conduziu a uma despersonalização dos profissionais, em que os utentes muitas vezes têm dificuldade em nos identificar e reconhecer, logo é uma barreira na relação do cuidar.
Inicialmente era um pouco assustador para as crianças, mas agora até elas já se habituaram a ver-nos vestidos desta forma. No entanto, quero salientar que a proximidade física com os doentes com COVID-19 mudou favoravelmente ao longo deste último ano, inicialmente só existia contato físico em caso de necessidade. Para facilitar o contato foram utilizadas câmaras de vigilância, telefones, portas envidraçadas, etc. Atualmente cuida-se destes doentes da mesma forma como se cuida de outro doente com outra patologia, mas devidamente equipados.
5. Em algum momento sentiu que o seu trabalho foi reconhecido por outros colegas ou pessoas externas à Instituição?
Sim, senti. Foram várias as pessoas e instituições que reconheram o nosso trabalho e por isso sentiram necessidade de nos aplaudir ou fazer donativos como forma de agradecimento. Alguns donativos tiveram o propósito de nos garantirem a proteção necessária para prestar cuidados oferecendo EPI's, outras foram em bens alimentares para nos confortarem o estômago e a alma.
Estou agradecida por todos, no entanto, houve um donativo muito especial que veio de um casal que tinha recorrido recentemente à nossa unidade por uma situação clínica muito grave de um dos filhos, em que o desfecho não foi o desejado, no entanto sentiram necessidade de reconhecer o nosso esforço em cuidar, tratar e em tentar salvar os que nos procuram. Nesta situação confirmo a celebre frase "Pequenos gestos fazem toda a diferença".
6. Passado um ano de vivência pandémica, sente mais orgulho na profissão que exerce?
Sempre senti orgulho na minha profissão, pois exerço enfermagem por gosto e sinto que no dia-a-dia os meus cuidados ao outro fazem a diferença na sua vida. Penso é que aos olhos dos outros os profissionais de saúde que passaram a ser mais reconhecidos pelo seu trabalho, o que me deixa feliz.
7. Numa palavra, como descreve o primeiro ano da pandemia?
Resiliência.